Todos os dias sentia a mesma coisa: a sensação de não se encaixar neste mundo... E não é que não gostasse de nada que via; era a certeza de ter que ver e sentir aquelas coisas, que para alguns era fonte de alegria e a ela lhe causavam nojo e piedade.Será que via além? Ou será que não via nem o que os outros viam...Não se sabe, não se saberia: ao menor questionamento, lhe tomariam como louca. Mas não dizem que os loucos- incensuráveis pelas vergonhas humanas- são mais sinceros em tudo que dizem? O mundo não saberia lidar com suas inseguras certezas. Assim, desejava conhecer um outro planeta, no qual a sua estranheza se transformasse em qualidade, e a sua forma diferente de conceber a realidade não fosse doença. Quis ser livre. Livre.Talvez feliz.Talvez menos triste.Quis viver...E para isso tomara uma decisão: pegaria um ônibus espacial. Pagaria tudo o que tinha para ser normal em um lugar estranho com pessoas estranhas.Queria se sentir amada e acolhida, não sabia por quem, só sabia que aqui, neste mundo, isso nunca iria acontecer. Já tinha experimentado,e a dor resultante de tais tentativas era muito superior a pior dor que um ser humano normal poderia suportar...E ela suportara.Tão pouco desejava da vida, que este pouco não foi visto, nem sentido.Agora só lhe restava conhecer outros seres.Talvez aqueles que viviam em sua imaginação...Nesta noite, em que esperava a sua vez de ser executada pelo crime de querer ser normal num mundo de pessoas estranhas, visitou outros lugares. Tomou o ônibus espacial. Mas teve que retornar assim que seu nome foi chamado: era a voz do carrasco, que levaria de uma vez por todas a sua vida. Só neste momento percebeu que talvez já estivesse morta há muito tempo, desde o dia em que mataram os seus sonhos, chamando-os de loucura.
Não sabiam eles que sem sonhos é impossível permanecer vivo.